CARNEIROS E OVELHAS

CARNEIROS E OVELHAS
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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Melhoramento Genético dos Ovinos no Brasil: Situação Atual e Perspectivas Para o Futuro

Introdução: "A carne destrona a lã"

Para se entender a situação do melhoramento genético de ovinos no Brasil e visualizar as perspectivas futuras, é preciso conhecer um pouco da trajetória das produções ovinas dentro e fora do país. Fronteira de países grandes produtores de lã, o Rio Grande do Sul concentrou o maior contingente ovino brasileiro, formado principalmente pelas raças laneiras Merino e Ideal, e especialmente pela raça Corriedale, de produção mista carne-lã. A região Nordeste apresentava o segundo grande agrupamento de ovinos, porém com propósito diferente: uma pecuária de corte de subsistência e alicerçada em raças nacionais e animais mestiços.

No ano de 1942 é fundada a ARCO, Associação Riograndense de Criadores de Ovinos, que depois viria a se tornar a Associação Brasileira de Criadores de Ovinos, sem modificar a antiga sigla. Segundo Ojeda (?), os trabalhos de seleção, aliados a esclarecimentos sobre nutrição e sanidade realizados pela ARCO, elevaram a produção média de lã dos ovinos no Brasil, de 1,5 kg nos anos 40, a 2,5 kg nos anos 70, e daí para 3.0 kg na década de 90. Na realidade as primeiras avaliações objetivas para seleção de ovinos se iniciaram entre o final da década de 80 e o início da de 90, tendo em vista a melhoria da produtividade e da qualidade da lã (Ojeda, 1999). Por isso os trabalhos se concentravam somente em propriedades do Rio Grande do Sul e assim o primeiro programa nacional de melhoramento de ovinos teve alcance simplesmente regional: o PROMOVI (Programa de Melhoramento Genético dos Ovinos), avaliou dentro de fazendas, mais de trinta mil reprodutores para a produção de lã e carne entre os anos de 1977 e 1995, mas somente em propriedades riograndenses.

O início dos anos noventa, no entanto, foi marcado por mais uma crise mundial no mercado da lã e talvez tenha trazido o golpe de misericórdia para a já combalida produção laneira nacional. Num primeiro momento, os ovinocultores gaúchos tentaram se prevenir mantendo os rebanhos da raça Corriedale como um meio caminho entre a volta à produção de lã e a mudança para a carne. A crise, entretanto, foi seguida de uma ligeira recuperação e logo depois por um profundo agravamento, com fechamento de grandes e tradicionais cooperativas de produtores de lã.

Nesse cenário a ovinocultura de corte no brasileira iniciou sua ascenção. Muitos criadores de Corriedale começaram a importar reprodutores das raças Hampshire Down, Suffolk, Ile de France e Texel especializadas em produção de carne, e a produzir cordeiros "meio sangue" para o abate. Outros iniciaram cruzamentos absorventes com essas raças, na intenção de atender ao mercado já ávido por animais para corte. No período de 1991 a 1996, 2267 animais de raças especializadas na produção de carne foram importados, correspondendo a 96,55% do total de ovinos importados no período (Ojeda & Oliveira, 1998). Esta tendência fez com que a ARCO alterasse o PROMOVI em 1991 com a inclusão do TVC (Teste de Velocidade de Crescimento), específico para essas raças e atendendo a propriedades nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. A alteração veio também pelo fato de que o efetivo ovino riograndense estava diminuindo, ao passo que crescia nesses outros estados.

É fácil notar a mudança no equilíbrio "carne x lã" ao longo da década de noventa, especialmente pelas comunicações de cobertura de animais "Puros por Cruza", indicativas do interesse específico pelo tipo de produção.


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Carne x Carne : O Crescimento da Raça Santa Inês

Apesar de ter sido deixada de fora do TVC, a raça deslanada nacional Santa Inês já apresentava grande crescimento populacional no Nordeste no início dos anos 90 e começou a interessar criadores de estados do Sudeste e Centro Oeste. Os gráficos 3 e 4 mostram a evolução numérica da Santa Inês frente às outras raças:



É interessante notar que o processo de crescimento do Santa Inês, como aconteceu para as raças "tipo carne" quando analisadas em conjunto, é muito mais evidente na categoria de PC (puros por cruza), o que, neste caso, denota o aumento do interesse específico por esta raça. Diante deste cenário, era de se esperar que houvesse grande interesse no melhoramento da raça Santa Inês. Entretanto, o que vem ocorrendo é um simples aumento numérico. Sousa (1998) alerta para o fato de que a seleção dentro da raça Santa Inês vem sendo feita principalmente visando características de importância estética, em detrimento de outras de relevância para a produção.

O primeiro trabalho efetivo de melhoramento da raça Santa Inês, dentre outras raças ovinas nacionais, teve início em 1990 e foi coordenado pela então Embrapa-CNPC. O projeto intitulado "Seleção de ovinos deslanados para o melhoramento genético dos rebanhos experimentais e privados no Nordeste do Brasil" precisou encerrado apenas cinco anos após ter se iniciado por falta de adesão de criadores e associações.

Ojeda & Oliveira (1998) também identificaram o problema da avaliação visual nas demais raças ovinas. Carneiros campeões de exposições continuam sendo mais valorizados que os testados e de alto valor genético, mesmo em regiões onde já se realizam avaliações objetivas há algum tempo.


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A Situação Atual

Respostas a questionários que foram passados para as associações estaduais e também para produtores associados vêm mostrando que a maior parte dessas associações têm a ARCO como única responsável pelas avaliações genéticas. Poucas participam de programas de melhoramento junto a universidades e órgãos de pesquisa, e a adesão dos produtores, quando estes programas existem, é mínima. Boa parte dos criadores de ovinos tem demonstrado desconhecer o que vem a ser exatamente o melhoramento animal, o que talvez justifique o desinteresse.

Apesar de todas as dificuldades têm-se conduzido alguns trabalhos visando o melhoramento dos ovinos no Brasil. No início deste ano ARCO e a EMBRAPA encerraram, em Bagé, o quinto Teste Centralizado de Ovinos Tipo Carne, onde são avaliados dentro de raças, animais Texel, Suffolk, Hampshire Down e Ille de France. Desde abril de 1999 está em andamento um projeto de avaliações genéticas comparativas envolvendo Brasil e Estados Unidos. O projeto de conexão internacional de carneiros envolve criatórios da raça Suffolk do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, em iniciativa da ARCO, USSSA (United States Sheep Seedstock Aliance), USSA ( United States Suffolk Association) e ABCOS (Associação Brasileira de Criadores de Ovinos Suffolk). Segundo Ojeda (1999) é o primeiro trabalho deste tipo, no mundo, envolvendo ovinos "tipo carne". A intenção é avaliar comparativamente carneiros norte-americanos no Brasil e nos Estados Unidos pelo desempenho de suas progênies. Apesar do pioneirismo o projeto parece estar enfrentado algumas dificuldades de ordem burocrática.

No outro lado do mapa a EMEPA (Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba), se prepara para iniciar este ano a primeira prova de ganho de peso de ovinos da raça Santa Inês. A entidade firmou parceria com a APACCO (Associação Paraibana de Criadores de Caprinos e Ovinos), criando o Programa de Avaliação de Desempenho de Ovinos Santa Inês. Nesta primeira edição a prova contará com a participação de 7 criadores de três estados do Nordeste. O número de participantes é pequeno, mas a iniciativa é de extrema importância.


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Levantando alguns problemas

Antes de mais nada, é preciso compreender que a organização dos elos da cadeia produtiva que existia na produção de lã, ainda não acontece na produção de carne ovina. Em recente reunião promovida pela CAPRIOVINO (Associação Goiana de Criadores de Caprinos e Ovinos) este quadro ficou patente. Os donos de frigoríficos alegaram trabalhar com apenas 30% de sua capacidade, ao passo que os produtores desconheciam a existência ou a localização daqueles estabelecimentos. Os donos de curtumes afirmaram estar importando peles da África por falta de matéria prima, enquanto os frigoríficos e produtores que realizam abate clandestino, afirmaram estar jogando pele fora ou vendendo a preços irrisórios a atravessadores. Desta forma será primeiro necessário organizar a cadeia produtiva. O mercado tem se apresentado promissor em todas as pesquisas realizadas, mas nem mesmo o produtor sabe o que deve realmente ser produzido e menos ainda o que deve ser melhorado.

No Sul do Brasil, apesar da grande diminuição do efetivo ovino, parece haver a tendência de estabilização das raças lanadas de corte e o trabalho de melhoramento, embora tímido está em andamento. É preciso incentivar o processo de avaliações de carneiros nacionais, na tentativa de reduzir a importação de animais testados em outras condições de ambiente.

No Nordeste, assim como no Centro Oeste, no Sudeste e mesmo no Norte, existe forte tendência de crescimento da raça Santa Inês. O trabalho será muito maior, visto que nestas regiões, com algumas exceções, os rebanhos são muitos, porém pequenos. Será necessário um grande esforço para integração, e também para que os produtores comecem pelo menos a fazer anotações zootécnicas, prática pouco comum nesses criatórios. Por outro lado as associações terão que assumir sua responsabilidade e, trabalhando em conjunto com as universidades e órgãos de pesquisa, realizar as avaliações dos dados colhidos pelos criadores e a apresentação dos resultados. Será preciso, também, incentivar a valorização dos animais com avaliações genéticas.

Não se pode esquecer, no entanto, que mesmo com a realização avaliações objetivas e com a participação dos criadores, outros entraves concorrem hoje para a lentidão do processo de melhoramento dos ovinos. As técnicas de inseminação artificial são ainda trabalhosas e pouco eficientes quando se trata de sêmen congelado (Moraes et al., 1998). Outro problema pode ser ainda mais grave: a "pirâmide" de estrutura de raças ovinas no Brasil tem na verdade a forma uma "moringa".

Como se pode ver na Figura 1, a passagem do progresso genético dos rebanhos de elite para os rebanhos comerciais fica estrangulada nos rebanhos multiplicadores. Animais de alto padrão, independentemente do tipo de avaliação, têm custo muito elevado e tendem a circular somente entre os criadores de rebanhos de elite. Alguns programas de governo acabam por agravar esta situação, como ocorre atualmente com a raça Santa Inês. Os preços dos animais desta raça no Nordeste, devido a incentivos à criação, chegam a duas vezes e meia os preços do Centro Oeste e a três vezes os do Sudeste, mesmo para animais sem registro. Carneiros registrados têm sido vendidos em leilões no Nordeste por valores que jamais poderão cobrir com suas produções...

De qualquer forma, é interessante que se note que o processo de crescimento do Santa Inês é algo totalmente novo no tocante às chamadas "raças nativas". Não há registro de um crescimento tão expressivo nem mesmo em outras espécies. Desta forma é preciso tomar um cuidado especial, visando o progresso real desta raça e a manutenção de seu potencial genético. Os cruzamentos com raças lanadas especializadas em produção de carne, na tentativa de melhorar rapidamente a produção do Santa Inês, vêm sendo conduzidos sem a devida cautela e de forma desordenada, o que poderá trazer prejuízos à qualidade da pele destes animais, bastante valorizada no mercado. Também a decisão de "fechamento do livro" de registros machos, marcada para dezembro deste ano, precisa ser reestudada. É preciso conhecer primeiro a estrutura da raça e seu tamanho efetivo para que não se forme um gargalo genético muito estreito, diminuindo a variação e comprometendo os trabalhos futuros de melhoramento.


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Considerações finais

Quando tudo parece ainda estar por ser feito há dois prognósticos possíveis:

1- Bom, se conseguirmos identificar os problemas e acudirmos a tempo de evitar que eles se tornem crônicos ou irreversíveis;

2- Ruim, se tentarmos avançar sem o conhecimento do terreno e ignorando os reais obstáculos a serem vencidos.

Assim, temos que avaliar com bastante cuidado os projetos governamentais de fomento à criação de ovinos. O simples crescimento do número de criatórios não resolverá a maior parte dos problemas existentes. De fato tende a agravá-los.

A entrada de novos criadores no mercado, vindos de áreas mais afeitas à administração empresarial, pode trazer benefícios do ponto de vista da adoção de tecnologia, mas também pode significar a rápida saída de investimentos nesse setor caso os resultados econômicos não sejam interessantes. Isto provocaria uma ruptura na frágil estrutura da ovinocultura e por conseqüência, mais uma vez o produtor tradicional teria que arcar com o ônus do "ôba-ôba".

Quanto ao melhoramento genético dos ovinos, haverá de refletir a capacidade de organização e de integração de criadores, indústria e órgãos de pesquisa. A julgar por tudo que conhecemos até hoje, não devemos ter grandes esperanças de que os avanços fluam de forma suave e contínua.


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Agradecimentos

Agradeço à SBMA, pelo convite à apresentação desta palestra, e também: aos amigos Dr. Daniel B. Ojeda e Dr. Wandrick H. Sousa pela atenção e pelas informações prestadas; ao Sr. Flávio Hamilton Guê, da ARCO, pela atenção, dedicação e pelo levantamento de dados; ao acadêmico de Veterinária da FIPLAC, Laurício Monteiro Cruz, pela execução das entrevistas com produtores e técnicos; às Faculdades Integradas do Planalto Central- FIPLAC- pelo financiamento desta pesquisa, e aos criadores e técnicos que vêm respondendo nossos questionários.


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Bibliografia Consultada

MORAES, J.C.F., SOUZA, C.J.H., COLLARES, R.S. Situação atual e perspectivas da inseminação artificial em ovinos. Rev. Bras. Reprod. Anim.,v.22, n2,p.87-91, 1998

OJEDA, D.B. Participação do melhoramento genético na produção ovina. Rev. Bras. Reprod. Anim.,v.23, n2,p.146-149, 1999

OJEDA, D.B. & OLIVEIRA, N.M. Serviço de Avaliação Genética de Reprodutores Ovinos. S.A.G.R.O.: Resultados de 1998. Bagé, Embrapa Pecuária Sul, 31p.,1998.

OJEDA, D.B

SOUSA, W.H. Ovinos Santa Inês: potencialidades e limitações. In: Simpósio Nacional de Melhoramento Animal, 2º, 1998, Uberaba. Anais... Viçosa: Sociedade Brasileira de Melhoramento Animal, 1998, p.233-237